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Melhoria Contínua quer dizer CONTÍNUA, não eventual.




Na sociedade contemporânea, é comum observarmos um foco excessivo na realização de eventos. Empresas organizam eventos para motivar seus funcionários, melhorar processos ou até para criar um ambiente de trabalho mais descontraído com iniciativas como o “dia da bermuda”. Contudo, essa abordagem, centrada em eventos esporádicos, frequentemente falha em construir uma cultura sólida e duradoura de rotina, disciplina e melhoria contínua.

 

A Ilusão dos Eventos como Solução

 

Os eventos têm uma qualidade inegável de criar momentos memoráveis e de gerar um impacto imediato. Eles podem motivar equipes e introduzir novos conceitos. Porém, eles raramente são suficientes para criar uma mudança profunda e sustentável. Quando uma empresa depende exclusivamente de eventos para promover melhorias ou incentivar o engajamento dos funcionários, ela corre o risco de cair na armadilha de criar uma cultura efêmera, onde as iniciativas se tornam ações isoladas e desconectadas da rotina diária.

Essa obsessão por eventos e momentos impactantes não se limita às empresas. Em nossas vidas pessoais, estamos cada vez mais buscando criar “momentos instagramáveis” – aqueles que parecem perfeitos para serem compartilhados nas redes sociais. Muitas vezes, a vida parece girar em torno de criar e capturar esses momentos, na expectativa de mostrar aos outros uma imagem de sucesso, felicidade ou inovação. No entanto, isso pode levar a uma desconexão com a realidade do dia a dia, onde a verdadeira transformação e melhoria acontecem.

 

Lean e a Importância da Rotina

 

A essência do Lean não reside na realização de grandes eventos de melhoria, mas na prática diária e constante de identificar e eliminar desperdícios. Isso só acontece se o foco do Lean for no desenvolvimento das pessoas. No Lean, todos, em todos os níveis da organização, estão envolvidos na busca contínua pela melhoria. Isso não é algo que acontece em eventos esporádicos, mas sim na rotina, todos os dias.

Infelizmente, essa essência muitas vezes se perde em meio ao desejo de criar um "show" de práticas Lean. Muitas empresas/pessoas falam sobre Lean em eventos, palestras e workshops, mas não praticam o Lean no seu dia a dia. O Lean é mencionado apenas nesses contextos, mas não é vivido nos processos diários, nas operações cotidianas, ou na maneira como as pessoas se comunicam e trabalham juntas. É como se o Lean fosse uma fachada para ser exibida em momentos específicos, mas não uma prática genuína enraizada na cultura da empresa.

Um dos princípios fundamentais do Lean é a organização do ambiente de trabalha com foco em facilitar e dar fluxo às operações. Esse é o verdadeiro objetivo do 5S. Em muitas organizações, o 5S é tratado como uma atividade ocasional, algo que é feito periodicamente, mas essa não é a intenção original. Para que o 5S realmente crie uma cultura de excelência, ele deve ser uma prática diária. Cada um dos “S” deve ser incorporado na rotina de todos os funcionários, todos os dias.

Paul Akers, no livro 2 Second Lean, propõe uma abordagem simplificada, focando nos três primeiros “S” (Limpar, Arrumar e Padronizar). Ele sugere que, se uma organização realmente incorporar essa prática na rotina diária de todos com hora marcada, os outros “S” — ligados a manutenção e disciplina — se tornam automáticos. Quando todos estão envolvidos, fazendo isso de forma organizada e padronizada todos os dias, a disciplina não precisa ser forçada, pois se torna parte natural da cultura da organização.



 

Experiência no 2 Second Lean Summit

 

Recentemente, tive a oportunidade de participar do 2 Second Lean Summit na Inglaterra, realizado na JJB, uma pequena indústria familiar com 25 funcionários. O evento, liderado por Paul Akers, reuniu 50 líderes de todo o mundo, todos comprometidos com a construção de uma cultura de melhoria contínua e excelência Lean.



Durante esse evento, tive cinco grandes aprendizados que gostaria de compartilhar:

 

1.           O primeiro aprendizado foi o nível de comprometimento necessário para construir uma cultura de excelência. No grupo de 50 pessoas, ficou evidente que o Lean não é algo que você simplesmente implementa; Lean é algo que você é ou não é. Desde o momento em que você decide dedicar sua vida a construir essa cultura, você pode ser Lean. Claro, no primeiro dia, não é possível eliminar todos os desperdícios de sua vida ou de sua empresa — isso seria uma visão equivocada da essência do Lean. No entanto, desde o início, você pode desenvolver uma determinação de pensar em Lean 24 horas por dia, de desenvolver pessoas constantemente e de eliminar desperdícios a todo momento. Para criar essa cultura, é fundamental que o líder seja, antes de tudo, um verdadeiro líder Lean, 100% comprometido em fazer isso acontecer.


 

2.           O segundo aprendizado veio de uma frase que aprendi com Ryan Tierney, da Seating Matters: "O maior gap da sua vida é o gap entre o que você sabe e o que você faz." Durante o evento, tive a oportunidade de observar o comportamento desses 50 líderes Lean e fiquei surpreso com a capacidade dessas pessoas de aprender profundamente a cada segundo. Não importava se estavam estudando e implantando Lean há 30, 40 anos, eles continuavam aprendendo, inclusive com os novatos. A JJB é uma empresa que vem aplicando os conceitos e princípios do Lean há cerca de 5 anos, uma jovem empresa comparada àquele grupo. Mesmo assim, vi todos aprenderem muito com o que estava sendo feito, aprendendo nos detalhes, nos pequenos nuances de comportamento dos líderes, nas provocações e com os próprios processos que estávamos observando. Esta é a primeira capacidade necessária para você ser um líder Lean: a disposição para aprender todos os dias e a humildade para aprender com qualquer pessoa, em qualquer processo. Mas, nada disso tem valor verdadeiro se não for aplicado, se não for colocado em prática. Portanto, para ser de fato um líder Lean, todo esse conhecimento precisa ser transformado em ação imediatamente. Esse foi o meu segundo grande aprendizado do evento.

 

3.           O terceiro grande aprendizado, que tem tudo a ver com este artigo, é que é fundamental desenvolvermos um kata para construir uma cultura Lean. Kata é a palavra japonesa para rotina, para um movimento repetitivo. Na JJB, observei diversos katas sendo colocados em prática diariamente para a construção dessa cultura de melhoria contínua. Desde a limpeza diária de toda a fábrica, em que todos, e eu digo todos, incluindo o dono, participavam dessa limpeza todas as manhãs, dividindo tarefas, como limpeza das privadas, remoção de mato do jardim da frente da empresa, enceramento do chão, limpeza e lavagem dos carros, até a organização de todo o ambiente de trabalho. Esse kata de limpeza diária demonstra uma profunda cultura de humildade, com todas as pessoas trabalhando juntas para manter um ambiente de trabalho produtivo.

 

Outro exemplo de kata é o de fazer pequenas melhorias diárias e gravar vídeos de antes e depois, que eram assistidos na reunião matinal para que as pessoas fossem reconhecidas por seus esforços de melhoria contínua. Todos os dias, eles praticavam esse kata de reunião matinal para aprender e se desenvolver juntos, assistindo seus próprios vídeos, discutindo sobre conceitos Lean e como eles poderiam ser aplicados em sua realidade. E se o líder principal, o dono, e os demais líderes não viverem seus próprios katas, e não se comprometerem em melhorar continuamente também esses katas, uma cultura de melhoria contínua não será colocada em prática. Isso é criar um sistema para que o Lean se transforme em rotina e não seja um evento.

 


4.           O quarto grande aprendizado foi um aprendizado inusitado e inesperado: tornar a sua jornada Lean uma jornada pública. Isso pode ser feito de várias formas, seja criando seu próprio canal no YouTube para compartilhar suas melhorias, seja recebendo outras empresas e líderes na sua empresa para mostrar o que você está fazendo. O que observei é que, ao tornar sua jornada pública, você demonstra humildade ao compartilhar com outras pessoas que não é perfeito, mas que está comprometido em fazer mudanças. Além disso, quando você torna suas práticas públicas, você se compromete ainda mais em realizar aquilo que está falando e aquilo que está em sua mente. O comprometimento das pessoas aumenta significativamente quando elas compartilham publicamente o que estão fazendo. Receber visitas também é uma excelente maneira de fortalecer a cultura dentro da empresa, pois, como diz o velho ditado, "quando você ensina algo a alguém, é quando você realmente aprende". Colocar os próprios funcionários para ensinar outras pessoas tem um poder fantástico na construção dessa cultura Lean como uma rotina.

 

5.           O quinto e último aprendizado foi a extrapolação de um conceito muito conhecido no mundo Lean, que é o conceito do dojo. O dojo é um espaço de treinamento usado inicialmente nas artes marciais, mas que a Toyota trouxe para dentro da indústria como um local onde as pessoas podem aprender seus processos fora da linha de montagem, até que tenham alcançado maestria e possam garantir que o trabalho será feito com qualidade, sem passar defeitos para frente. Na JJB, vi esse conceito sendo aplicado de maneira inusitada, mas muito profunda. Jack Bussey, o dono da JJB, utilizou a cozinha e o banheiro como dojos para capacitar as pessoas nos comportamentos ideais da melhoria contínua. Uma cozinha impecável, muito organizada, com várias ferramentas Lean sendo aplicadas em um espaço coletivo que todos utilizam e são profundamente impactados por esse ambiente de altíssima excelência. Este ambiente, com toda sua organização, acaba sendo um verdadeiro espaço de capacitação dos funcionários nos comportamentos que levam à melhoria contínua: encontrar desperdícios, ser criativo para resolver problemas de maneira simples, usando a cabeça e não a carteira, e criar uma cultura de manter o ambiente melhor do que estava quando chegaram nele. Tanto a cozinha quanto o banheiro foram usados deliberadamente para criar esses comportamentos em toda a equipe, incluindo a forma como o próprio dono se comporta nesses ambientes, sempre mantendo o local melhor do que estava quando ele chegou. Não importa se ele encontrou um papel no chão ou uma faca fora do lugar, ele também está desenvolvendo esse comportamento de manter as coisas organizadas como uma forma de respeito às outras pessoas. Realmente responsabilizando as pessoas pelos padrões criados e mantendo a corda esticada. O comportamento do líder como um exemplo extraordinário é uma grande ferramenta de capacitação e desenvolvimento dessa cultura. Por isso, o quinto e último grande aprendizado foi que precisamos criar nossos próprios dojos para desenvolver os comportamentos ideais.

 

 



Banheiros e cozinha ideais (lê-se impecávelmente lean) levam a comportamentos ideais


O Papel do Líder na Construção da Cultura

 

Liderança desempenha um papel crucial na criação de uma cultura de melhoria contínua. Líderes que se limitam a organizar eventos de treinamento ou workshops de capacitação falham em compreender a essência do desenvolvimento humano. A verdadeira liderança no contexto Lean é estar presente no Gemba, o “local real onde o trabalho acontece”, todos os dias. É ali que o líder deve treinar, orientar e desenvolver sua equipe, promovendo uma cultura de aprendizado contínuo.

A Toyota é um exemplo icônico de como sistemas robustos são mais eficazes do que eventos isolados. Em vez de focar em ferramentas específicas ou soluções pontuais, a Toyota investe em sistemas que garantem que as melhorias ocorram de forma contínua e integrada ao trabalho diário. Eles não estão apenas implantando ferramentas de gestão; estão criando um ambiente onde a melhoria contínua é uma parte intrínseca do trabalho de cada pessoa, todos os dias.

 

Eventos Kaizen e a Realidade da Melhoria Contínua

 

Os eventos Kaizen, que são sessões intensivas de melhoria focadas em um processo específico, são uma prática comum em muitas empresas que tentam implementar o Lean. No entanto, mesmo essas sessões, se não forem parte de um sistema de melhoria contínua, podem se tornar eventos isolados que não promovem uma mudança cultural real. Uma empresa que realiza um ou dois eventos Kaizen por mês pode parecer estar comprometida com a melhoria contínua, mas se essa é toda a sua estratégia, ela está longe de alcançar a excelência operacional.

A verdadeira excelência não é medida pela frequência de eventos Kaizen, mas pela capacidade de todos os funcionários de fazer pequenas melhorias todos os dias. Isso requer uma mudança de mentalidade — um compromisso com a melhoria diária, onde cada pessoa, em todos os níveis da organização, está ativamente envolvida em melhorar o que faz.

 

A Vida é Feita de Rotina

 

Assim como nas organizações, na vida pessoal, a verdadeira transformação não acontece nos grandes eventos, mas na rotina diária. Muitas vezes, vivemos esperando o próximo grande acontecimento, o próximo evento que irá mudar nossas vidas. Porém, é na constância do dia a dia que encontramos o verdadeiro potencial para a mudança. Cada ação, cada escolha, cada hábito que construímos ao longo do tempo tem um impacto acumulativo muito maior do que qualquer evento isolado.

Se não entendermos que a vida não é feita de eventos, mas sim do dia a dia, hora a hora, minuto a minuto, perderemos a oportunidade de construir algo extraordinário. Cada momento é uma oportunidade para aprender, melhorar e crescer. Tanto no desenvolvimento pessoal quanto na construção de uma cultura empresarial, o segredo está na rotina e na disciplina.

 

A ideia de que "a vida não é feita de eventos" desafia a mentalidade comum de que grandes mudanças ocorrem em momentos pontuais. Em vez disso, a verdadeira transformação é encontrada na rotina diária, nos pequenos ajustes e nas melhorias constantes. Seja na vida pessoal ou profissional, é a dedicação ao processo contínuo de melhoria que nos permite alcançar excelência e construir uma cultura sólida.

As empresas que compreendem isso, como a Toyota e a JJB, investem em sistemas que promovem a prática diária de melhoria, não em eventos isolados. Elas entendem que a cultura não é algo que se cria da noite para o dia, mas algo que se constrói dia após dia, com paciência, persistência e disciplina. Da mesma forma, na vida pessoal, é importante focar no presente, no dia a dia, nas pequenas ações que acumulam e criam resultados significativos ao longo do tempo.

A verdadeira mudança começa quando deixamos de esperar pelo próximo evento e começamos a viver plenamente cada dia, cada momento, cada segundo. É assim que construímos, de fato, uma vida extraordinária e uma cultura de excelência.

 


Ideia Chave:

Quer ser mais eficiente? Faça da melhoria uma rotina, não um evento!

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