As nossas bases
O Pensamento Lean, teve origem principal no Japão, mais especificamente na Toyota, durante o período pós-Segunda Guerra Mundial, apesar de sua história começar muito antes disso. Esse sistema de produção revolucionário tornou a Toyota a maior montadora de carros do mundo, desenvolvendo as pessoas para produzirem mais, com mais qualidade e mais segurança, utilizando de forma inteligente os recursos disponíveis. Hoje essa nova forma de gerenciar está presente em todos os setores da economia e vem transformando a produção agrícola.
As mentes por trás do Pensamento Lean
Sakichi Toyoda
Naquela época, a empresa que hoje conhecemos como Toyota produzia máquinas de tear e ainda não automóveis. Eles eram os melhores do mundo na produção de teares e Sakichi Toyoda, o fundador da Toyota, era conhecido como o rei das invenções. O Sr. Sakichi também é o criador do "Jidoka", um dos pilares do Sistema Toyota de Produção, que interrompe a produção quando algum defeito ou problema é encontrado na linha de montagem para que as causas possam ser identificadas e corrigidas rapidamente. Foi ele que criou o conceito de "5 porquês", onde se deve perguntar "por quê?" 5 vezes quando há algum problema, para identificar a causa raiz.
A partir de 1910, Henry Ford foi pioneiro em sua famosa estratégia de manufatura, deixando sua marca na história. Ele organizou a Ford Company de forma que todos os recursos utilizados no local de fabricação – pessoas, máquinas, equipamentos, ferramentas e produtos – facilitassem um fluxo contínuo de produção em massa, ou seja, produzir o máximo possível ganhando na escala de produção.
A Ford alinhou as etapas de fabricação na sequência do processo, sempre que possível, usando máquinas para fins especiais para fabricar e montar os componentes em poucos minutos e entregar componentes diretamente ao lado da linha de montagem dos carros. Esta foi uma mudança revolucionária com as práticas de fabricação, que antes consistia em máquinas agrupadas por processo, que produziam peças que eventualmente precisavam de ajustes e encaixes na montagem final.
O problema com o sistema de Ford não era o fluxo: ele conseguia girar os estoques de toda a empresa a cada poucos dias. Em vez disso, foi sua incapacidade de fornecer variedade. O famoso Modelo T se limitava apenas a uma cor e a poucas variações de carroceria e assessórios. De fato, parece que praticamente todas as máquinas da Ford trabalhavam com um único número de peça e, essencialmente, não havia trocas.
Ou seja, a produção era “empurrada” para o cliente, e quando o mundo passou a quer variedade, a Ford parecia perder o rumo. Outras montadoras responderam à necessidade de muitos modelos, cada um com muitas opções, mas com sistemas de produção cujas etapas de projeto e fabricação regrediram para áreas de processo com tempos de produção muito mais longos. Com o tempo, eles preencheram suas fabricas com máquinas cada vez maiores, aumentando continuamente os tempos de produção e os estoques. Pior ainda, as etapas do processo exigiam sistemas de gerenciamento de informações cada vez mais sofisticados, culminando em sistemas computadorizados e caros.
Henry Ford
Kiichiro Toyoda
Em 1929, Kiichiro Toyoda, filho de Sakichi Toyoda, viajou para a Europa e os Estados Unidos para investigar automóveis e fundou a chamada "Toyota Motor Corporation".
Kiichiro Toyota levou adiante o conceito de Jidoka de seu pai e desenvolveu sua filosofia sobre o conceito Just-in-Time (JIT). O novo sistema visou dimensionar corretamente as máquinas em relação ao volume real necessário e introduziu sistemas à prova de erros (Poka Yoke) para garantir a qualidade e o sequenciamento adequado dos processos de trabalho, sem empurrar defeito para frente.
O Sr. Kiichiro aprendeu mais sobre a fabricação de automóveis com a Ford e quando Kiichiro Toyoda e outros da Toyota analisaram a situação da empresa na década de 1930 e mais intensamente logo após a Segunda Guerra Mundial, ocorreu a eles que uma série de inovações simples poderiam tornar mais fácil fornecer continuidade no fluxo do processo e uma ampla variedade de ofertas de modelos de carro. Revisitando o pensamento original de Ford, mudando a estratégia de uma produção empurrada em massa (uma cor de carro e poucos modelos) para uma produção puxada, atendendo as demandas do cliente, produzindo lotes menores com ganhos em eliminação de desperdícios, foco na qualidade e busca pela excelência operacional.
Em 1943, Taiichi Ohno ingressou na Toyota e o sistema de produção que ele criou mudou o foco dos engenheiros da Toyota da produtividade das máquinas individualmente para a produtividade do fluxo de produção. Ele concluiu que, com ajustes na linha de montagem poderiam produzir, com baixo custo, alta variedade, alta qualidade e tempos de produção muito rápidos para atender aos desejos dos clientes em constante mudança. Além disso, o gerenciamento de informações pode ser muito mais simples e preciso.
Com base nessa visão, Ohno desenvolveu o Sistema de Produção da Toyota (TPS), que se baseava em alguns princípios fundamentais. Um deles era o conceito de fluxo contínuo, onde a produção era organizada de forma a eliminar paradas e gargalos, garantindo que o trabalho fluísse de forma suave e contínua.
Outro princípio importante era o de produção puxada, onde a produção era baseada na demanda real dos clientes externos e internos, evitando assim a superprodução e o acúmulo de estoques desnecessários. Dessa forma, a Toyota conseguia produzir apenas o que era necessário, reduzindo os custos de armazenagem e eliminando o desperdício de recursos.
Após sua visita à Ford em 1953, ele percebeu que os produtos precisam ser reabastecidos na mesma proporção em que os consumidores os selecionam nas prateleiras. Isso o inspirou a construir o bem-sucedido sistema Kanban.
Uma das maiores conquistas de Taichi Ohno foi a integração do sistema Just-in-Time com o Sistema Jidoka e o princípio de Kaizen (melhoria contínua de Edward Demming) e trouxe-o para o nível do chão de fábrica, envolvendo todas as pessoas na melhoria.
Taiichi Ohno
Edward Deming
Em 1950, Edward Deming, um estatístico americano foi para o Japão porque suas ideias não eram aceitas nos Estados Unidos. Lá ele estabeleceu seus conceitos profundos de controle estatístico de processos, gestão da qualidade total e melhoria contínua. Uma das suas grandes contribuições foi a disseminação do PDCA (Plan-Do-Check/Study-Ajust), consolidando o trabalho de Frederick W. Taylor no uso do método científico na gestão e na solução de problemas.
Shigeo Shingo foi um engenheiro japonês que trabalhou em conjunto com Ohno na Toyota. Shingo desenvolveu técnicas como o Sistema SMED - Troca Rápida de Matrizes (Single Minute Exchange of Dies), que permitia a redução do tempo de setup das máquinas, aumentando a eficiência da produção. Em outras palavras, as ferramentas e trocas devem levar menos de um minuto (um dígito).
Shingo também entendeu a importância do sistema gerencial no comportamento das pessoas, e como essas são influenciadas pelo ambiente em que trabalham. Sua famosa frase deixa isso muito claro: “Para ter resultados ideais, é preciso de comportamentos ideais... Os princípios alinham o desenvolvimento dos sistemas e os sistemas guiam os comportamentos das pessoas.”
Shigeo Shingo
James P. Womack
O processo de pensamento do lean foi minuciosamente descrito no livro: A Máquina que Mudou o Mundo (1990) de James P. Womack, Daniel Roos e Daniel T. Jones.
Eles estudaram o sistema de produção de várias montadoras de carro na América, Europa e Japão e ao perceberam que havia algo diferente na Toyota, descreveram essa nova foram de pensar como o Pensamento Lean.
Posteriormente Wamack foi um dos grandes responsáveis pela disseminação desse pensamento pelo mundo, junto de tantas outras pessoas que até hoje continuam aperfeiçoando esse trabalho em tantos setores da economia.
No Brasil, em meados da década de 1990, Paulo Machado percebeu que o sucesso da atividade das fazendas de leite dependia diretamente da gestão do negócio. Passou a se dedicar, então, ao estudo de diversos modelos gerenciais, testando sua aplicação no cotidiano da propriedade leiteira.
Assim nasceu o Sistema MDA, um modelo pioneiro de aplicação do pensamento Lean na agropecuária, tornando-o acessível à linguagem e ao dia a dia da produção agropecuária. Os resultados desse trabalho atrairiam, ao longo das últimas quatro décadas, milhares de produtores e gestores. As suas contribuições para a produção agropecuária e para a gestão da produção e da qualidade do leite no país são muitas, especialmente trazendo para dentro das fazendas uma nova forma de pensar, de gerir os negócios e as pessoas, conectando à realidade das fazendas com o pensamento Lean e tantos outros modelos gerenciais, que somados transformam a realidade da produção.
Paulo Machado é professor titular em bovinocultura de leite da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ/USP), atualmente diretor-presidente da Clínica do Leite, uma das maiores referências em gestão da produção e da qualidade do leite no país.
Paulo F. Machado
Existem literalmente centenas de livros, sem falar nos milhares de artigos que exploram a complexidade do pensamento Lean, todos os dias gestores do mundo todo estão aprendendo e aperfeiçoando as maneiras de aplicar os seus princípios nos mais diversos setores da econômica. De fato, a consciência e os métodos Lean estão apenas começando a se enraizar entre os gerentes e líderes de hoje...
... esse é só o começo da história.
Na produção agrícola, grande parte da cadeia de valor acontece ao longo do ciclo fenológico da planta, desde o preparo de solo até a colheita, processamento e transporte. Todas as operações precisam acontecer, dando suporte para que a planta expresse o seu máximo potencial produtivo, sem desperdício e com menor custo possível, maximizando os resultados.
Para isso, é preciso criar um sistema gerencial que leve as pessoas a terem comportamentos ideais, melhorando continuamente e buscando FAZER O QUE PRECISA SER FEITO, DO JEITO CERTO E NA HORA CERTA
Para que isso seja possível, é preciso um método eficiente, que cria nas pessoas o modelo mental da melhoria continua. Dessa maneira, todas as pessoas sempre estarão energizadas em buscar a perfeição nos processos melhorando continuamente os resultados. O método deve não só guiar como a melhoria é feita, mas também deve criar disciplina e inconformismo nas pessoas para que a melhoria aconteça.
Só é possível criar essa cultura se o gestor parar de procurar culpados e começar a procurar a causa raiz do problema. Apesar de existir uma tendência natural de culpar as pessoas envolvidas quando algo dá errado, a causa raiz do problema na maioria das vezes está no processo ou no sistema de produção.
Para isso temos que desenvolver nos negócios agrícolas uma Gestão Orientada ao Ciclo Fenológico, onde todo o negócio é organizando para que a planta tenha o melhor suporte para produzir, atendendo as demandas dos interessados quanto a: Produtividade, Qualidade e Custo, organizando a cadeia de valor, o fluxo das operações agrícolas, a forma de enxergar desvios e problemas, melhorando os processos continuamente. Mas nada disso é possível sem desenvolver as lideranças dentro do negócio, por isso as pessoas estão no centro dessa forma de pensar.
Sistema de Produção Toyota (TPS), adaptado a gestão do ciclo fenológico da planta.